Após 56 anos, certidão de óbito do ex-prefeito Higino João Pio é retificada para reconhecer assassinato pela ditadura

A certidão de óbito do ex-prefeito de Balneário Camboriú, Higino João Pio, foi oficialmente alterada para reconhecer que sua morte, ocorrida em março de 1969, foi resultado da repressão do regime militar. Inicialmente registrada como suicídio, a causa do falecimento foi corrigida para “morte violenta causada pelo Estado no contexto da perseguição política”, conforme determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A atualização do documento representa uma reparação histórica aguardada por décadas pela família e reforça as conclusões das Comissões Estadual e Nacional da Verdade, que, em 2014, comprovaram que Higino foi assassinado após ser preso e mantido sob custódia da Marinha em Florianópolis.

Além da retificação na certidão, Higino João Pio receberá um sepultamento com honras de Estado, cerimônia que não ocorreu em 1969 devido à interferência militar. Seus restos mortais serão transferidos de Itajaí para Balneário Camboriú em 20 de julho, aniversário da cidade que ele administrou como primeiro prefeito eleito. O cortejo contará com autoridades, forças de segurança e ex-prefeitos, marcando simbolicamente a devolução da dignidade ao político. O reconhecimento ocorre em meio à repercussão do filme Ainda Estou Aqui, que denuncia os crimes da ditadura e reacendeu o debate sobre as vítimas do regime.

Higino foi um dos 434 mortos ou desaparecidos pela ditadura militar no Brasil e o único em Santa Catarina. Ele foi preso sob acusações de corrupção que nunca foram comprovadas, sendo torturado e assassinado devido à sua proximidade com o ex-presidente João Goulart e disputas políticas locais. O relatório da Comissão da Verdade revelou que seu corpo foi pendurado com um arame no pescoço para simular suicídio, em uma tentativa de encobrir o crime. Apesar da farsa ter sido desmascarada, nenhuma punição foi aplicada aos responsáveis. Em 2018, o Ministério Público Federal denunciou seis pessoas pelo crime, mas o caso foi arquivado em 2020 sob a justificativa da Lei da Anistia.

Mesmo com a impunidade na esfera criminal, os descendentes de Higino seguem buscando justiça por meio de uma ação indenizatória contra a União. A Justiça Federal já reconheceu o direito da família à reparação, e o caso agora aguarda análise em instâncias superiores. A retificação da certidão de óbito é um marco no resgate da verdade histórica, corrigindo oficialmente uma mentira sustentada por mais de meio século.

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