Saneamento Básico e mudanças no clima: Camboriú está preparado para o futuro?

Por Fernando Assanti

Dirceu Giusepe Giasson tem 58 anos e mora há mais de 30 na região. Autônomo, morador do Santa Regina há 10 anos, ele é direto quando perguntado o que sabe sobre o Saneamento Básico de Camboriú: “Não tem”, afirma. “Quando eu me mudei pra cá, primeiro morei em Balneário Camboriú e depois vim pra Camboriú. A gente podia tomar banho no rio. Agora é uma vergonha. E o pior é que mesmo sem saneamento, além da gente pagar pra Águas de Camboriú, precisa pagar pra limpar fossa”, reclama.

Para Dirceu, assim como para todos os demais entrevistados pelo Linha Popular pelas ruas da cidade, Saneamento Básico é sinônimo de coleta e tratamento de esgoto. Entretanto, a Lei nº. 11.445/2007 define o termo como um conjunto de serviços que vai além das infraestruturas e instalações operacionais de esgotamento sanitário, incluindo abastecimento de água, a limpeza e a drenagem urbana, e o manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais.

Mas em Camboriú, assim como em todo o estado de Santa Catarina, o grande desafio é mesmo em relação ao esgoto. Segundo dados do último relatório do Instituto Trata Brasil, a cidade possui 100% de acesso a água tratada, enquanto não há nenhuma estrutura de coleta e tratamento do esgoto. Ou seja, 0% de cobertura. Em todo o estado, os números são de 10,4% da população sem acesso a água tratada e 70,9% sem tratamento de esgoto.

Para Maurício Fernandes, engenheiro ambiental, membro e coordenador da Câmara Técnica do Comitê da Bacia do Rio Camboriú, onde representa o CREA-SC, ainda é comum que as pessoas reduzam o saneamento ao serviço de coleta de esgoto, mas é necessário que haja um esforço de letramento da população em relação a esse tema. “Esses serviços (todos englobados no termo saneamento) são fundamentais para a saúde pública. Eles têm um papel essencial em mitigação de mudança climática porque estão diretamente ligados ao nosso ciclo hidrológico. Quando a gente fala de abastecimento de água, precisa entender que tratamento de esgoto é a água, e quando a gente fala de resíduo, o chorume que é produzido em aterro depende da quantidade de água que vai cair nesse aterro, estou falando de chuva mesmo. E o manejo da água pluvial, fala por si só: é a estrutura que tem na cidade para livrar a gente de picos de alagamento.”

Segundo o engenheiro – que tem como tema de pesquisa do seu mestrado justamente os efeitos das mudanças climáticas sobre os eventos de inundações na Bacia do Rio Camboriú – a ausência dessas estruturas de saneamento tem potencial para gerar efeitos nas mudanças climáticas, como o aumento na emissão de gases e efeito de estufa. “O gás metano, por exemplo, é liberado durante a decomposição da matéria orgânica, seja no aterro sanitário, seja em tratamento inadequado de esgoto. Então, um sistema que não é adequado contribui sim, e muito, para o aquecimento global”, afirma.

O gás metano, segundo dados divulgados pela Organização das Nações Unidas – ONU, é 80 vezes mais nocivo que o gás carbônico para o agravamento do efeito estufa. “Quando a gente fala especificamente de esgotamento sanitário, o tratamento adequado do esgoto, por sua vez, pode ajudar a mitigar as mudanças climáticas, pois ele reduz a emissão de gases poluentes. E além disso, o lodo gerado pelo processo pode ser fonte de energia, reduzindo o uso de combustíveis fósseis”, defende Gisele Victor Batista, doutora na área, consultora e especialista em ESG e Sustentabilidade.

Além dos efeitos nocivos da falta de esgotamento sanitário para potencializar os efeitos das mudanças do clima, os especialistas ouvidos pelo Linha Popular reforçam que as alterações nos ciclos de chuva – que já são sentidas hoje em todo o país – deixam ainda mais potentes os efeitos da falta de saneamento básico.

Para Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, sem coleta e tratamento de esgoto devemos sentir ainda mais os efeitos da poluição dos rios nos próximos anos. “Temos vivido cada vez mais eventos extremos relacionados à água. Por exemplo, quando temos períodos de secas, a quantidade de água nos rios diminui. Sem coleta e tratamento, lançamos esgoto em um rio com pouca água para diluição, o que torna o efeito da poluição ambiental ainda mais evidente. Esse rio mais poluído pode servir de captação de água para algum uso, o que torna o custo de tratamento desta água mais caro e complexo, impactando novamente na vida das pessoas”, explica.

Além disso, dizem os especialistas, uma drenagem urbana mal planejada vai agravar os impactos de eventos climáticos extremos, como inundações e deslizamento de terra. “O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, elaborado pelas Nações Unidas, estima que a região de Camboriú terá aumento na pluviosidade e também uma maior recorrência e intensidade dos eventos extremos. As secas serão cada vez mais longas aqui na zona temperada e as enchentes cada vez mais volumosas”, complementa o engenheiro Maurício Fernandes.

Ainda segundo a ONU, as mudanças climáticas são transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima. “Essas mudanças podem ser naturais, como por meio de variações no ciclo solar. Mas, desde 1800, as atividades humanas têm sido o principal impulsionador delas”, diz o site da Organização.

Neste contexto, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) lançou, em janeiro deste ano, a primeira edição do estudo “Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil”. A publicação explora dados sobre a disponibilidade hídrica no Brasil e indica que as chuvas podem diminuir mais de 40% em regiões hidrográficas do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e parte do Sudeste até 2040.

Mesmo parecendo distante de nós, essas situações demandam preparação de todas as cidades do Brasil, pois podem afetar a geração hidrelétrica e a agricultura, impactando nos preços e na disponibilidade de energia e alimentos para todos. Por outro lado, o relatório indica que o Sul possui uma tendência de aumento da disponibilidade hídrica em até 5% até 2040, mas “com uma maior imprevisibilidade e um aumento da frequência de cheias e inundações, como vem ocorrendo na região nos últimos anos”.

O professor dos cursos de mestrado e doutorado de engenharia ambiental da Universidade do Vale do Itajaí – Univali, Paulo Ricardo Schwingel, que estuda a Bacia do Rio Camboriú há mais de 20 anos, explica que a região hidrográfica em que estamos inseridos deve ser uma região bastante afetada pelas mudanças climáticas nas próximas décadas. O pesquisador, que hoje preside o Comitê da Bacia do Rio Camboriú, lembra que os relatórios do clima da ONU nos incluem em uma região chamada Hotspots, ou seja, que poderão aquecer mais que outras partes do mundo nas próximas décadas. “O aquecimento global não é uniforme. Algumas regiões aquecem mais que outras e a nossa região Sul está aquecendo mais que a média. Isso faz com que a Bacia do Rio Camboriú tenha uma pluviosidade média maior nos próximos anos. Nossos estudos aqui na Univali mostram que vamos subir de uma pluviosidade de 1600 mm ao ano para até 2500 mm ao ano até o final do século. Esse aumento de chuvas pode provocar extremos climáticos, como as grandes enchentes. Mas isso não exclui períodos de seca, porque a chuva não é distribuída de maneira uniforme. Isso significa que teremos secas e chuvas extremas. Vamos estar expostos a esses dois fenômenos”, reforça Schwingel.

O professor doutor lembra ainda que em relação a Camboriú, os resultados do tratamento de esgoto só serão definitivos daqui dez anos ou mais. “As mudanças climáticas e a falta de saneamento podem resultar em combinações desses dois elementos. Podemos chamar a união dos fenômenos como ‘a tempestade perfeita’ em termos de qualidade de água”, afirma.

Atento aos efeitos da mudança do clima, o setor de saneamento brasileiro vai lançar, em novembro deste ano, o primeiro estudo nacional sobre os impactos das mudanças do clima no Saneamento. “´Ainda não temos os números para divulgar porque o estudo está em fase final de elaboração, mas é certo que precisamos informar e educar as pessoas sobre esses temas e seus impactos cotidianos”, conta Luana Pretto, do Instituto Trata Brasil.

 
Vala de esgoto que corre desde o bairro Santa Regina, em Camboriú,
desemboca no Rio Camboriú, no centro da cidade. Foto: Fernando Assanti/LP

Consciência coletiva
Apesar da proximidade do tema com a vida cotidiana, ainda é difícil discutir esse assunto com a população em geral. Alessandro da Silva, 43 anos, dono de uma pequena loja no centro de Camboriú tem dificuldade de responder à reportagem. “Sei pouco sobre o tema, mas fizeram um asfalto novo na minha rua agora e será que os tubos aguentam? Eu só sei que nosso rio é uma vergonha”, diz ele, que também não sabe que em março deste ano, a prefeitura de Camboriú concedeu os serviços de tratamento e coleta de esgoto para a Águas de Camboriú, mesma empresa privada que já atende a cidade com serviço de abastecimento de água.

Para a socióloga e cientista social Anne Oliveira, a população vive uma falta de consciência geral em torno de vários temas relacionados a políticas públicas e direitos. “Um país que não dá conta de entregar os direitos básicos também não se esforça para que as pessoas tenham acesso a uma educação política”, defende ela.

A especialista em Projeto Sociais e Políticas Públicas afirma ainda que é comum ouvirmos as pessoas falarem de temas como Educação e Saúde, mas que além disso há direitos que não são debatidos com as pessoas. “A desigualdade social é um causador desse distanciamento. Quem pauta os temas sociais já pode abrir a torneira e ter água. Então a gente entende saneamento como um problema já resolvido. Mas ao ter acesso aos números, a gente percebe que há um abismo absurdo”, aponta.


Moradores do bairro Monte Alegre, em Camboriú,
convivem com o esgoto a céu aberto, ao lado de casa. Foto: Fernando Assanti/LP

Sharon Haskel Koepsel, pedagoga e especialista em Economia Circular e Desenvolvimento Sustentável, concorda com a necessidade de aproximarmos as pessoas deste tema. Ela lembra ainda que vivemos em uma região litorânea e que os efeitos da falta de saneamento também têm impacto na saúde das pessoas. “No verão esse tema ganha um pouco mais de visibilidade, quando vemos em maior quantidade a proliferação de doenças de transmissão hídrica. Passado esse período, se abrirmos a torneira e tiver água, se dermos a descarga e o esgoto for embora, parece que não há problema. De fato, ainda precisamos avançar muito em direção a essa consciência.”

Dados do Instituto Trata Brasil dão conta de que em Santa Catarina, somente em 2022, houve quase seis mil internações e 92 pessoas morreram por doenças de veiculação hídrica como esquistossomose, diarreia e dengue. Em Camboriú, no mesmo ano, houve 25 internações ocasionadas por estas doenças.

A Educação é um caminho
Maurício Fernandes defende que a educação é transformadora na consciência da importância do saneamento básico e das conexões do saneamento básico com as mudanças climáticas. “A iniciativa de educação ambiental tem que ir além da conscientização do uso racional da água, tem que incluir as questões sobre a gestão dos resíduos sólidos e também o manejo das águas pluviais”, diz ele. O especialista defende ainda que é preciso promover a inclusão de atividades práticas para demonstrar o impacto do saneamento na vida cotidiana das crianças. “Visitas a estações de tratamento de água, de esgoto, visitas em projetos de reciclagem, recuperação de nascente, recuperação de áreas degradadas. Tudo isso pode criar uma geração mais consciente e ativa”, acredita.

Em Camboriú, a Educação Ambiental faz parte do currículo permanente das escolas públicas municipais, mas ainda tem muito para avançar. Sirléia Cristina Lopes Sebold, Professora de educação infantil e Educadora ambiental na rede municipal de ensino de Camboriú, explica que cada professor ou professora tem certa liberdade de trabalhar o tema de acordo com o seu currículo. “Em relação ao trabalho da educação ambiental nas unidades escolares, hoje fica ainda muito voltado para dentro do currículo. Então, cada docente é que vai definir o que ele vai trabalhar ou não”, conta ela.

Para fortalecer esse trabalho, a cidade conta com o projeto Guardião, que atende 100 alunos, de dez a 16 anos, na formação ambiental. “No Guardião, a gente trabalha as mudanças climáticas, o que pode ocorrer nos próximos anos e como eles podem reagir. Este é um projeto que une a Educação, a Assistência Social e a Fundação de Meio Ambiente”, esclarece ela. Os jovens selecionados para o projeto são, na maioria das vezes, encaminhados da rede de Assistência Social por terem tido seus direitos violados ou por não terem um bom desempenho escolar.

Para a pedagoga Sharon Haskel Koepsel, programas como esse são fundamentais para a criação de uma geração mais consciente. “A gente precisa falar de saneamento para as crianças, para que elas cresçam letradas e com compreensão a respeito das implicações disso na vida. Mas além das escolas, é importante também que se vá para as ruas, para as associações de moradores e para onde a comunidade está reunida e se fale a respeito disso”, argumenta.

Sirléia dá ainda uma boa notícia sobre a Educação Ambiental na cidade. “Nós teremos agora uma formação para os professores da Educação Infantil que é oferecida pelo Governo Federal chamada ‘Educação Infantil Ambiental para a justiça climática: crianças de um território, infância de um planeta’. A ideia do curso é capacitar professores e gestores efetivos para que eles também trabalhem o tema nas unidades escolares, desde o berçário. Atualmente, Camboriú possui seis mil crianças matriculadas apenas na educação infantil.

A especialista Gisele Batista orienta que precisamos ir além da educação ambiental. Segundo ela, é preciso assumir uma educação climática com urgência, tendo como foco ampliar o diálogo e a participação de toda a sociedade na adaptação ao clima. “A educação ajuda os indivíduos a entenderem essas relações complexas entre clima e sistemas de saneamento. Isso inclui compreender como a gente pode fazer escolhas de consumo mais conscientes. E é necessário para que todos possam contribuir com soluções e também pressionar para que ações sejam implementadas. Precisamos rever as formas de produção, fortalecer e economia circular. E a educação climática fornece ferramentas necessárias para que as pessoas e os agentes públicos atuem nas soluções”, finaliza.

Clima, saneamento e desenvolvimento econômico
Em janeiro deste ano, quase 1.500 líderes globais dos âmbitos acadêmico, empresarial, do governo, da comunidade internacional e da sociedade civil contribuíram para o lançamento do Global Risks Report, pesquisa divulgada pelo Fórum Econômico Mundial. No documento, os especialistas em risco global apontaram que, nos próximos dois anos, o maior risco para a estabilidade do planeta são as condições climáticas extremas. O documento traz ainda que em uma perspectiva de longo prazo, os riscos ambientais, como a perda de biodiversidade e mudanças críticas nos sistemas do planeta Terra, lideram a classificação.

Para Kátia Tonioti, presidente da Associação Empresarial de Balneário Camboriú e Camboriú, o relatório internacional reflete o sentimento de quem está atento aos fatos. Ela defende que os temas de saneamento e mudanças do clima, associados, trazem muitos prejuízos sociais, mas também econômicos para a cidade e para a região, que tem no turismo uma de suas principais matrizes econômicas.

A presidente, que representa centenas de empresários locais, explica que o saneamento básico adequado é uma ferramenta essencial para enfrentar as mudanças climáticas e que isso, obviamente, impacta os negócios locais. “Vivemos em uma região litorânea, com o saneamento básico não adequado, a gente tem o que? Praia mais poluída. Aí vem as mudanças climáticas trazendo um aumento maior de chuvas, as enchentes. Soma-se a isso um aumento de doenças relacionadas a essas questões. Como é que isso impacta os negócios locais? Na força de trabalho, por exemplo. As pessoas ficam doentes, pessoas doentes não comparecem ao trabalho. E aí, o que acontece? A gente eleva os custos operacionais das empresas”, informa ela.

Katia defende ainda que é investindo no saneamento e na resiliência climática que a gente vai conseguir garantir um ambiente saudável atraindo investimentos e promovendo o desenvolvimento sustentável da nossa região.

Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, concorda. Para ela, as consequências da falta de saneamento vão além do impacto nos investimentos de longo prazo, mas influenciam no dia a dia das pessoas. “Se a população é saudável, ela é mais produtiva e consegue se desenvolver mais, tendo melhor renda no trabalho, seja ele formal ou informal. A renda média das pessoas onde não há saneamento é de R$ 961,79 em Santa Catarina, e onde tem saneamento a renda média é de R$ 3.328,96”, exemplifica.

Onde estamos em relação ao saneamento?


Grande evento promovido pela Prefeitura e pela Águas de Camboriú
anunciou a assinatura do aditivo no contrato de concessão. Foto: Fernando Assanti/LP

Em 15 de maço deste ano, um grande evento em Camboriú anunciou que a Prefeitura tinha assinado a ampliação do contrato de concessão com a empresa Águas de Camboriú, do grupo AEGEA – maior grupo privado de saneamento do Brasil. Com a assinatura, além da concessão para tratamento e distribuição de água, a empresa passou a ser responsável pela coleta e tratamento de esgoto.

Essa história, com fim apenas em 2024, começou em novembro de 2015, com a prefeitura ainda sob a gestão da Prefeita Luzia Coppi Mathias (PSDB), que assinou o primeiro contrato de concessão, sem incluir o esgoto. A exclusão do serviço se deu, porque à época, a prefeitura tinha a notícia da aprovação de um projeto no Plano Aceleração do Crescimento – PAC, do Governo Federal, na casa de R$ 100 milhões, que seriam usados para construir a rede e a estação de tratamento de esgoto para que fossem apenas geridos pela AEGEA.

Este recurso nunca chegou a Camboriú e, portanto, o contrato com a Águas de Camboriú nunca foi totalmente cumprido na cidade. Dois anos depois, em março de 2017, com a cidade já sob nova gestão, o prefeito de Camboriú, Elcio Kuhnen (MDB), começou as negociações com a Águas de Camboriú, que finalizaram apenas sete anos depois, com a assinatura da nova concessão em março deste ano.

Ao longo deste período, mais precisamente em outubro de 2018, o Governo do Estado de Santa Catarina Lançou o Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú. Documento técnico, que custou mais de R$1,2 milhão para os cofres do Estado. Dentre as ações emergenciais deste plano está a implementação do sistema de esgotamento na cidade. Mas ele não foi suficiente para acelerar o avanço das tratativas em Poder Público e empresa.

Agora, em setembro de 2024, passados seis meses do grande evento de assinatura, nada aconteceu de visível em relação ao esgoto da cidade. Segundo a presidente do grupo AEGEA Sul, Reginalva Mureb, desde a assinatura de março, a concessionária começou a cumprir as etapas previstas no termo aditivo que possibilitou essa transferência de obrigação. “Já aconteceu uma conferência de todos os investimentos em conjunto com o Poder Executivo e, no atual momento, a concessionária está analisando o solo de terrenos para entender qual é a melhor área para que se construa ali a Estação de Tratamento de Esgotos do município”, explica. A previsão é que a ETE terá capacidade para tratar 248 litros por segundo até final do plano. Paralelamente, serão construídas também quase 500 km de rede coletoras de esgotos e 31 estações elevatórias.

A executiva destaca ainda a qualidade do trabalho que será feito na cidade. “A concessionária irá construir uma estação de tratamento de esgotos de padrão terciário, com alta remoção de carga orgânica (mais de 90%) e também com remoção de fósforo e nitrogênio. Isso quer dizer que nós vamos direcionar para o rio Camboriú, um efluente tratado e com uma alta eficiência, praticamente uma água clarificada. Também será uma estação de tratamento de esgotos com uma tecnologia que permite afirmar que não haverá odor ou ruído”, afirma.

Fernando Ricardo da Silva, 39 anos, é marmorista e morador do bairro Areias. Quando questionado sobre o tema, ele afirma: “Sei que houve um contrato, mas ainda não tem nenhum serviço. Saneamento (se referindo ao esgoto) não tem, mas mesmo assim a conta da água aumentou recentemente.”, reclama.

Reginalva explica que a cobrança pela prestação do novo serviço está prevista para ocorrer apenas após a implementação das obras de esgotos, quando cada bairro estiver interligado à estação de tratamento e o serviço estiver disponível para o cliente. “Então é somente nesse momento em que começam as cobranças”, reforça. A tarifa em Camboriú seguirá o padrão adotado em Santa Catarina, de mesma cobrança pela água e pelo esgoto. Ou seja, a cada R$ 1 real de água o cliente pagará R$ 1 real pela coleta e tratamento dos esgotos no município.

Gabriela Mariane de Oliveira dos Santos, Secretária interina de saneamento básico de Camboriú, afirma que as obras relativas ao esgoto devem começar apenas em 2025. “A concessionária está trabalhando na aquisição da área para a construção da estação de tratamento. A previsão é iniciar em janeiro”, informa.

Desafios para a cidade

Diante de um cenário tão complexo, a necessidade de ações rápidas e de ampliação da consciência das pessoas e dos gestores públicos é apontada como única saída para que Camboriú esteja preparada para enfrentar o futuro.

O arquiteto e urbanista Ênio Faqueti, que nasceu no interior do Camboriú e acompanha a cidade de perto até hoje, defende que precisamos correr contra o tempo para nos prepararmos para os próximos anos. “Se a prefeitura aprova um loteamento hoje, ele já deveria estar adaptado para suportar as mudanças do clima. Com tubulações mais bem dimensionas, espaços inundáveis, por exemplo. Só poderíamos aprovar hoje moradias em áreas estáveis, longe de rios, com recuos maiores, levando em conta as cotas de inundação. É um trabalho de inteligência. Isso é começar a preparar a cidade para esse futuro”, analisa.

Apesar de defender também a necessidade de ações individuais para o enfrentamento dos problemas reais, Faqueti é claro em atribuir aos gestores públicos a culpa pelo atraso que ainda vivemos em relação às infraestruturas de saneamento básico. “O poder público tem uma grande parcela de culpa. Ele precisa estar na vanguarda, mas infelizmente não é assim que acontece. Só vai mudar quando os desastres chegarem”, lamenta.

O arquiteto lembra ainda que, há mais de dez anos, o Comitê do Rio Camboriú – instituição que já presidiu – defende projetos que preparem a região para os eventos extremos do clima. “O parque inundável na Bacia do Rio Camboriú é um projeto que caminha para nos preparar para esse futuro. Mas além desses projetos estruturantes, vamos precisar também de um olhar individual, como o de construir casas com materiais que se comportem melhor nesse ambiente mais aquecido. A arquitetura e o urbanismo vão ter que mudar”, afirma.

O engenheiro Maurício Fernandes concorda e cita o conceito de ‘cidade resiliente’. Ele aponta que o investimento em saneamento básico é uma importante forma de adaptar as nossas cidades para esse tipo de mudança do clima. “Precisamos fazer com que a cidade seja mais resiliente, garantindo saúde e bem-estar para a nossa população. Entretanto, a gente sabe que Santa Catarina, apesar do potencial econômico, apesar de todo o desenvolvimento que a gente tem aqui no Estado, ainda está abaixo da média nacional neste quesito”, lamenta.

Para a doutora Gisele Batista, além das estruturas urbanas, manter a vegetação nas nascentes é fundamental para manter o abastecimento de água, além de também contribuir para a manutenção do clima. “Precisamos sair do campo do discurso para partirmos para ação efetiva e muito investimento. É preciso compromisso do Governo em infraestrutura de saneamento, parcerias público-privadas. Precisamos de plano de adaptação climática para avaliação sistêmica e busca de soluções integradas. São problemas complexos que precisam de soluções novas”, finaliza.

O professor Paulo Ricardo Schwingel concorda e destaca que, quando trabalhamos com a qualidade ambiental, protegendo nascentes e as matas ciliares, há um investimento em manutenção de uma vazão do rio mais equilibrada, minimizando a falta de saneamento. “Nossa Bacia Hidrográfica é bem pequena, com aproximadamente 200 km² e com rio de apenas 40 km de extensão. Ou seja, muito suscetível à seca por falta de chuva e que sofre esse efeito muito rápido, por ser pequena, podendo causar perda de qualidade do ecossistema e a mortalidade de fauna e flora”, finaliza.

Os gestores do futuro
No próximo domingo, dia 06 de outubro, os mais de 40 mil eleitores de Camboriú vão às urnas para eleger o(a) novo(a) prefeito(a) para administrar a cidade pelos próximos quatro anos.

Para situar os munícipes sobre como cada candidato ao Executivo pensa os temas de saneamento e mudanças climáticas, nossa reportagem analisou os planos de governo dos quatro candidatos e destaca aqui como eles os abordam:


Edson Renato Dias – Piriquito (MDB)

Em seu plano, o candidato traz uma seção específica de Saneamento e Meio Ambiente, com algumas propostas, dentre as quais: despoluição e revitalização do Rio Camboriú; construção da estação de tratamento de água; compromisso com a implantação da rede coletora de esgoto; construção da estação de tratamento de esgoto; construção do Parque Inundável da Bacia do Rio Camboriú em parceria com o município de Balneário Camboriú.

Não há citação direta sobre o tema das mudanças climáticas.

Eliane Garim (PT)

No documento, a candidata trata de maneira bastante profunda sobre os temas. Em pelo menos três páginas de propostas relativas à área, destacamos: universalizar o saneamento básico e integrá-lo a outros planos como as políticas públicas de saúde, os planos de habitação, arborização, recursos hídricos e resíduos sólidos; promover a sensibilização da sociedade para a relevância das ações de prevenção, de mitigação e adaptação relacionadas às mudanças do clima e aos desastres socioambientais, bem como ao estancamento da perda de biodiversidade; estimular à participação individual e coletiva, inclusive das escolas em todos os níveis de ensino, nas ações de prevenção, de mitigação e de adaptação relacionadas às mudanças do clima e no estancamento da perda de biodiversidade, bem como na educação direcionada à percepção de riscos e de vulnerabilidades a desastres socioambientais.

O plano ainda traz mais ações relacionadas à proteção ambiental como desenvolver um planejamento urbano e rural, combatendo a especulação em áreas de preservação; criar os programas de coleta e uso de águas pluviais; implantar o programa de preservação de nascentes e apoio às entidades de preservação ambiental no município.

Leonel Pavan (PSD)

O documento proposto por Pavan é objetivo, mas traz ações sobre os temas como: a implementação do Parque Inundável para a prevenção de cheias; a criação de um Plano Municipal de Mudanças Climáticas, para mitigar os impactos do fenômeno na cidade; concessão dos serviços de Coleta de Resíduos Sólidos para estrutura a gestão desse serviço; Programa Municipal de micro e macro drenagem e um Programa Municipal de Drenagem Sustentável, com a utilização de estruturas autodrenantes e pavimentos permeáveis.

Ramon Jacob (PL)

O plano de Ramon Jacob, também traz uma seção específica chamada de Sustentabilidade e Meio ambiente. Nela, a coligação se propõe a: criar um Programa de Proteção e Preservação do Rio Camboriú e do Meio Ambiente; criar um Plano de Prevenção de Desastres Naturais; criar um Plano Municipal Socioambiental; criar Plano Municipal de Saneamento Básico; e a construção do Parque Inundável.

O documento não faz nenhuma citação direta sobre o tema das mudanças climáticas.

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